domingo, 17 de agosto de 2008

Quando eu encontrei a cidade perdida...


§ Acordei às 5:00am, me arrumei e fui tomar o café da manhã. Desde às 18h do dia anterior faltava luz em Águas Calientes. Tudo era breu, não enxergava nada. Fui tremendo de medo até o ponto dos microônibus, que por sorte, era próximo ao meu hotel. Às 5:40am eu já estava dentro do veículo, pensando que dali a poucos minutos estaria finalmente vendo a incrível cidade perdida dos incas, Machupicchu.

§ Machupicchu é um pouco mais baixa que Cusco e as cidades bolivianas, e como já fica no início do que é a floresta Amazônica, lá não faz tanto frio. Mas como ainda era muito cedo e estava chovendo (coisa incomum nessa época do ano), fazia um friozinho e todos estavam encasacados. Encasacados e com a cara amassada, os olhos vermelhos de sono, porém muito abertos, atentos a tudo, todos os detalhes. Após várias curvas foi possível avistar um pedacinho da cidade. Todas as cabeças esticadas, olhando para a mesma direção. Todos em silêncio, compartilhando uma cumplicidade mútua. Os olhos de desconhecidos se cruzavam e sorriam. Parecia que todos podiam ler os pensamentos alheios, porque todos estavam pensando a mesma coisa.

§ Chegamos à base de entrada, parecia que havia um milhão de pessoas lá. Mal sabia eu (quer dizer, até sabia, mas não pensei nisso no momento) que a massa turística chegaria após meio-dia, e aí sim aquele lugar ficaria superpovoado. Por enquanto éramos os privilegiados.

§ Encontrei o meu guia, começou a divisão das pessoas que falavam espanhol e inglês. O mais engraçado é que os gringos (tá, eu também era gringa lá) todos queriam ficar nos grupos de espanhol. Gritavam revoltados “yo hablo español!”. Eu até me ofereci pra ficar no grupo de inglês, mas depois que me dei conta de que estava no meio de um pequeno grupo de velhos é que entendi porque tanta gente começou a “hablar español” da noite pro dia. Obviamente voltei correndo para o grupo dos meus “conterrâneos latinos”.

§ A visita começou por volta das 6:30am. Logo na entrada só podemos ver o lado direito de MP. O guia começou a explicar a história do lugar e a apontar para as montanhas. De repente, pediu que nos virássemos à direção contrária de MP e olhar para o alto. Lá em cima, vários pontinhos se mexendo, com uns flashes eventualmente. Eram as pessoas que chegavam da trilha inca. Existem várias trilhas, mas a principal e mais procurada dura 3 dias. As pessoas caminham o dia inteiro e só descansam à noite. Fiquei pensando na satisfação que elas estavam tendo, depois de todo aquele cansaço, aquelas caminhas e subidas intermináveis, aquela chuva pra piorar a situação, um frio do caramba durante as madrugadas, depois de tudo isso, elas estavam chegando e avistando lá de longe a cidade perdida, da mesma maneira que os incas faziam 500, 400 anos atrás. Acho que esse foi o único momento em que desejei de verdade (com uma certa pontada de tristeza no peito) ter feito a trilha inca.

§ Depois disso, pegamos uma subidinha para chegar ao local de onde se tem a vista clássica de MP. Uma subidinha de menos de 5 minutos, mas que quase me matou de falta de ar. Foi então que avistei aquela cena de foto. Todos com as câmeras na mão, os viajantes alternativos se transformaram em turistas japoneses. Mal iniciamos a visita dentro da cidade e voltou a chover. Começamos a passar por aquelas construções, tudo tão incrível. Eu passava a mão em todas as pedras, imaginando como seriam as pessoas que também já passaram as mãos por elas. Os incas que carregaram aquelas pedras para construir a cidade, os incas que lá viveram, os nativos que já conheciam MP há bastante tempo, o Bingham quando a “descobriu” (e depois roubou tudo e mandou pra Yale, o desgraçado!!), as milhares de pessoas que já estiveram por lá e passaram as mãos nas pedras, imaginando as pessoas que já tinham feito isso antes...

§ De repente, o portal onde o Che Guevara sacou aquela foto também clássica. “Che Guevara took a picture here”. Por que eu fui falar isso pra gringaiada?? Criei um congestionamento gigantesco, todo mundo queria ter uma foto ali também.

§ Às 8:30am a visita acabou e o guia nos liberou pra ir pra fila do Wayna Picchu. Deve ter sido por causa da chuva, poucas pessoas arriscaram subir. A fila, que geralmente é gigantesca, se resumia a uns 15 gatos pingados. Nesse caso, gatos encharcados. Eu era a quinta da fila, atrás de 4 argentinos, que subiram comigo. Todo mundo na chuva, e a única menina do grupo que era baixinha (todos eram grandes – vamos dominar o mundo!) lembrou que tinha uns sacos de lixo, que poderíamos usar como capa de chuva. Ela começa a sacar os sacos da mochila, todos na expectativa, e quando vemos, eram uns sacos minúsculos! Tivemos uma crise de riso. Ela começou então a rasgar os sacos, amarra aqui, amarra lá, nossas capas de chuva estavam prontas.

§ Nós cinco fomos liberados pra subir às 8:55am. Vou contar pra vocês, não foi fácil não. A chuva piorou tudo. Muita lama, escorregávamos toda hora. As subidas eram íngremes e estreitas. O cansaço era muito grande e a minha bronquite deu o ar graça. A minha respiração era a mais pesada de todas, podia ser ouvida à distância. Todo mundo ficava preocupado e eu tinha que parar toda hora pra respirar. Eu mesma estava com medo de ter um pirepaque ali.

§ Às 9:30am parou de chover, mas a lama ainda atrapalhava bastante e as pedras continuavam escorregadias. Depois de muito tempo chegamos à primeira parte do pico, onde tirei a foto mais comentada do meu orkut (hahaha). Ali começavam as ruínas do Wayna Picchu, e aparentemente, essa segunda parte do caminho, que era bem menor, seria mais fácil. Ledo engano. Não tinha mais mato e lama, mas em compensação, tivemos que escalar umas pedras, nos meter em caverninhas (eu tenho uma “quase-claustrofobia”, e por pouco não desisti quando entramos em uma caverna e tivemos que nos arrastar para sair dela, pois era muito estreita), rolou até uma escadinha de madeira carcomida caindo aos pedaços.

§ Finalmente chegamos ao topo. Não é um espaço plano. Na verdade são várias pedras gigantes e todos têm que encontrar um lugar pra se encaixar, todo mundo se ajuda, se espreme. Depois que me alojei e vi a paisagem, percebi que tinha valido tudo a pena. A viagem tinha valido a pena. De um lado, MP pequena, um condor. Do outro lado, só mato, e mato e mato; o início da floresta Amazônica (essa parte peruana parece mais a mata Atlântica). Lá embaixo, o rio Urubamba, de um verde lindo e que contorna a montanha onde fica MP. Nessa hora a chuva já tinha parado completamente e o sol já estava aberto, iluminando a tudo e todos. Nessa hora também já estava todo mundo sem casaco, sentindo um calor do caramba, e eu super arrependida de ter ido com aquela blusa branca por baixo. Nessa hora eu ainda estava discutindo futebol com os argentinos, levando um casal de peruanos às gargalhadas.

§ Ficamos uns 30 minutos lá em cima, apreciando a paisagem. Fiquei meio encucada com a quantidade de pessoas com “idade mais avançada” que vi por lá. De onde elas surgiram?? Devem ter começado a subr às 6:00am, só pode!

§ Decidimos então descer. Essa parte foi menos cansativa, só que também, bem mais perigosa. Pra começar, a descida era feita pelo outro lado, onde havia uma pedra lisa gigante, tipo um tobogã. Essa pedra dava numa faixa de terra estreita, que dava num precipício. O esquema era esse mesmo, escorregar nessa pedra super inclinada, sem ter nenhum lugar pra encaixar o pé e a mão (já que ela era lisinha, lisinha), e com o maior cuidado, pra não passar direto da faixa de terra e cair no precipício (isso já aconteceu, e conheço uma pessoa que viu ao vivo e a cores).

§ Até então, esse foi o segundo momento mais tenso do Wayna Picchu pra mim. Bateu um desespero, todo mundo desceu, eu fiquei lá por cima e os meus olhos encheram d’água. Pensei em voltar sozinha pelo outro lado e encontrar o pessoal lá no primeiro pico, mas todo mundo começou a gritar lá de baixo que eu conseguiria, que não era tão ruim quanto parecia. Além disso, como o sol já estava forte, várias pessoas tinham começado a subir, e esse caminhozinho de volta alternativo era justamente pras pessoas não se trombarem.

§ Encarei meu medo, e comecei a deslizar pela pela. Foi um sufoco, mas bem menos pior do que parecia lá de cima. A tranqüilidade voltou e continuamos a descer. Agora era a vez de umas escadinhas que beiravam o precipício. Meti o pé no primeiro degrau e começou uma gritaria. Uma mulher tinha escorregado e caído lá na frente. Na hora, nós que estávamos lá trás e não conseguíamos ver nada, pensamos logo que ela tinha caído no precipício. Foi um desespero, meus olhos cheios d’água novamente. Todo mundo parou onde estava, não havia espaço. Depois de alguns minutos descobrimos que ela tinha escorregado, mas caiu nos degraus mesmo, graças a deus. Conseguiram puxá-la pra cima de uma terraça, pra prestar os primeiros socorros e abrir caminho. Começamos então a descer. Lembro de ter visto muito sangue nos degraus, e quando olhei pra terraça, ela estava com um corte imenso na cabeça. Demos as nossas águas pra lavarem o rosto dela, e o meu argentino lindo ficou lá, pra ajudar a carregá-la.

§ Continuamos a descer. Novamente aquela lama, aquelas pedras soltas. Todo mundo praticamente engatinhando. Eu escorreguei umas duas vezes. Pra piorar, como já tinha muita gente subindo e o caminho era estreito, várias vezes tivemos que nos agarrar às pedras pra deixar as pessoas passarem.

§ Foi tudo bem sinistro, mas valeu a pena. Pra mim, o melhor momento da viagem, sem dúvidas.

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