sábado, 30 de agosto de 2008

§ Vamos ter um jogo da seleção masculina de futebol no... Engenhão!!
§ Minha pergunta é: por quê? Por que, se o maracanã tem praticamente o dobro de capacidade, o que beneficiaria mais pessoas a verem a seleção jogar por aqui, coisa que raramente acontece?
§ Tudo bem que os nossos homens vêm apresentando um futebol sem brilho e sem raça nos últimos anos, que não nos incentiva muito a querer assistir a um jogo deles. Eu não sei vocês, mas eu não consigo mais torcer pra eles.
§ Mas o motivo de revolta que quero expôr aqui é o da "politicagem". O jogo vai ser no engenhão só pra fingir que ele é muito útil, e as nossas vidas melhoraram da água pro vinho depois de sua construção.
§ Eles alardearam para todos os cantos que os jogos pan-americanos no Rio foram um sucesso, um exemplo de organização, que marcou época, blábláblá e abobrinhas, mas esqueceram de dizer à população que a principal função desses mega eventos é o benefício que eles nos trazem APÓS o acontecimento, e não durante.
§ O projeto do metrô nunca saiu do papel, a dengue castigou mais uma vez, o trânsito está cada vez mais caótico e a violência... isso eu nem vou comentar...
§ Mas no meio de tudo isso, nos ficou o engenhão, esse sim muito útil. Afinal de contas, o nosso maraca querido não estava mais conseguindo comportar a enorme torcida carioca, que em dias de clássico vasco x fluminense lotava o estádio com o número impressionante de 20 mil pessoas!
§ Agora querem trazer os jogos Olímpicos pra cá também. E já começaram a especular pela milionésima nona vez sobre a linha 3 do metrô...
§ Esse é o nosso Brasil.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Falando nisso...

§ Depois de escrever o último texto, me veio à cabeça um fato ocorrido no meu ensino médio, mais precisamente no 1º ano. Por ser muito medrosa, nunca fui adepta da difusão facilitada, e acreditava no aforismo “quem cola engana a si próprio”.
§ ...Mas eu estava no último bimestre, fazendo a prova de psicologia, na qual precisava de 6,0 para passar. Pelos cálculos que eu tinha feito em cima da pontuação de cada questão, eu iria tirar 5,5 ou 5, o que me deixou desesperada. A apostila de psicologia era muito grossa e maçante, e eu não tinha lido nem a metade dela. Ou seja, eu estava impossibilitada de responder as questões que ainda faltavam e minha nota ficaria naquilo mesmo. Uma amiga minha estava sentada atrás de mim, colando da minha prova.
§ Eu já tinha visto uma borracha passar pela mão de todo mundo na sala, mas como era muito inocente (velhos tempos...), nem tinha me tocado de que aquilo era uma super proteína. Eu acho que essa amiga que estava colando de mim deve ter percebido que eu estava precisando de ajuda e falado a alguém, pois todo mundo sabia que eu não colava e do nada, uma colega que estava ao meu lado me estendeu o braço e, entregando-me umA borracha, pronunciou “valeu pela borracha Sara!”.
§ Quando olhei, lá estava, escrita na borracha, uma das respostas que eu ainda não tinha. Meu Deus! Como fiquei nervosa! Meu coração estava disparado, eu suava sem parar. Estava tensa, me sentindo uma agente numa missão, como naqueles filmes em que o espião está procurando algo em uma sala e ouve o inimigo chegar à porta. Eu copiei a questão (que era o número de uma lei) e devolvi a borracha, que foi passada à frente. Ainda estenderam a prova pra mim, pra eu copiar uma outra resposta.
§ Saí da sala tremendo, achando até o último segundo de caminhada rumo à porta, que a professora iria me chamar e me dar um esporro por eu ter colado. Só que isso era praticamente impossível, porque ela era extremamente lerda (a tanto que tinha gente colando na cara, exatamente na cara dela!).
§ Depois que passei da porta e fiquei livre do alcance dela, comecei a tremer mais ainda, de alívio. Logo em seguida fui tomada por uma euforia. Eu tinha colado e aquilo foi super emocionante – Sempre gostei de aventuras!
§ Eu estava seriamente pensando em me entregar à vida da difusão facilitada, quando a menina que tinha passado a cola na borracha pra todo mundo, fechando a apostila, falou com um risinho de “não acredito”: "#$%&*! Copiei o número errado".
§ Com exceção de 3 pessoas que acreditavam que a osmose era ainda o melhor jeito de se “passar de ano”, toda a sala colocou a mesma resposta errada na prova. Graças a Deus eu consegui nota suficiente para passar direto e não precisei fazer a prova final, me safando assim de ver a cara da mulher outra vez. Mas preferi encarar aquilo como um sinal divino, de que a difusão facilitada pode é complicar em muito a nossa vida.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Osmose x Difusão facilitada


§ Há duas maneiras para se “passar de ano”: a osmose - mais digna, e a difusão facilitada - mais recorrida por boa parte dos alunos.

§ Na osmose a gente estuda, ou pelo menos tenta prestar atenção nas aulas para ver se a nossa cabeça absorve alguma coisa. Esperamos que o aprendizado / conhecimento passe do meio hipertônico (nossos professores) para o hipotônico (nossas caixolas), fazendo das nossas provas um agradável meio isotônico. E se a gente não tiver estudado, tampouco prestado a devida atenção às aulas, apelamos ao milagre divino, com vistas a uma osmose sobrenatural.

OBS: Ressalta-se que nem sempre os professores estão em um meio hipertônico em relação ao nosso.

§ Na difusão facilitada, nos utilizamos de certas proteínas (que podem ser uns papeizinhos com letras em tamanho 5/6 escondidos no estojo ou nas pernas, ou também um amiguinho estudioso) para facilitar a passagem das moléculas que, por osmose, demorariam muito tempo para atravessar a membrana do nosso cérebro, garantindo-nos uma nota azul.

2º OBS: Se a situação estiver sinistra, recorremos a um amiguinho não muito estudioso (carboidrato) mesmo. Não tem problema! Vale tudo para escrever alguma coisa na prova quando o nervosismo não nos deixa pensar em uma besteira sequer e a nossa capacidade de encher lingüiça parece ter fugido para o espaço!

domingo, 17 de agosto de 2008

Quando eu encontrei a cidade perdida...


§ Acordei às 5:00am, me arrumei e fui tomar o café da manhã. Desde às 18h do dia anterior faltava luz em Águas Calientes. Tudo era breu, não enxergava nada. Fui tremendo de medo até o ponto dos microônibus, que por sorte, era próximo ao meu hotel. Às 5:40am eu já estava dentro do veículo, pensando que dali a poucos minutos estaria finalmente vendo a incrível cidade perdida dos incas, Machupicchu.

§ Machupicchu é um pouco mais baixa que Cusco e as cidades bolivianas, e como já fica no início do que é a floresta Amazônica, lá não faz tanto frio. Mas como ainda era muito cedo e estava chovendo (coisa incomum nessa época do ano), fazia um friozinho e todos estavam encasacados. Encasacados e com a cara amassada, os olhos vermelhos de sono, porém muito abertos, atentos a tudo, todos os detalhes. Após várias curvas foi possível avistar um pedacinho da cidade. Todas as cabeças esticadas, olhando para a mesma direção. Todos em silêncio, compartilhando uma cumplicidade mútua. Os olhos de desconhecidos se cruzavam e sorriam. Parecia que todos podiam ler os pensamentos alheios, porque todos estavam pensando a mesma coisa.

§ Chegamos à base de entrada, parecia que havia um milhão de pessoas lá. Mal sabia eu (quer dizer, até sabia, mas não pensei nisso no momento) que a massa turística chegaria após meio-dia, e aí sim aquele lugar ficaria superpovoado. Por enquanto éramos os privilegiados.

§ Encontrei o meu guia, começou a divisão das pessoas que falavam espanhol e inglês. O mais engraçado é que os gringos (tá, eu também era gringa lá) todos queriam ficar nos grupos de espanhol. Gritavam revoltados “yo hablo español!”. Eu até me ofereci pra ficar no grupo de inglês, mas depois que me dei conta de que estava no meio de um pequeno grupo de velhos é que entendi porque tanta gente começou a “hablar español” da noite pro dia. Obviamente voltei correndo para o grupo dos meus “conterrâneos latinos”.

§ A visita começou por volta das 6:30am. Logo na entrada só podemos ver o lado direito de MP. O guia começou a explicar a história do lugar e a apontar para as montanhas. De repente, pediu que nos virássemos à direção contrária de MP e olhar para o alto. Lá em cima, vários pontinhos se mexendo, com uns flashes eventualmente. Eram as pessoas que chegavam da trilha inca. Existem várias trilhas, mas a principal e mais procurada dura 3 dias. As pessoas caminham o dia inteiro e só descansam à noite. Fiquei pensando na satisfação que elas estavam tendo, depois de todo aquele cansaço, aquelas caminhas e subidas intermináveis, aquela chuva pra piorar a situação, um frio do caramba durante as madrugadas, depois de tudo isso, elas estavam chegando e avistando lá de longe a cidade perdida, da mesma maneira que os incas faziam 500, 400 anos atrás. Acho que esse foi o único momento em que desejei de verdade (com uma certa pontada de tristeza no peito) ter feito a trilha inca.

§ Depois disso, pegamos uma subidinha para chegar ao local de onde se tem a vista clássica de MP. Uma subidinha de menos de 5 minutos, mas que quase me matou de falta de ar. Foi então que avistei aquela cena de foto. Todos com as câmeras na mão, os viajantes alternativos se transformaram em turistas japoneses. Mal iniciamos a visita dentro da cidade e voltou a chover. Começamos a passar por aquelas construções, tudo tão incrível. Eu passava a mão em todas as pedras, imaginando como seriam as pessoas que também já passaram as mãos por elas. Os incas que carregaram aquelas pedras para construir a cidade, os incas que lá viveram, os nativos que já conheciam MP há bastante tempo, o Bingham quando a “descobriu” (e depois roubou tudo e mandou pra Yale, o desgraçado!!), as milhares de pessoas que já estiveram por lá e passaram as mãos nas pedras, imaginando as pessoas que já tinham feito isso antes...

§ De repente, o portal onde o Che Guevara sacou aquela foto também clássica. “Che Guevara took a picture here”. Por que eu fui falar isso pra gringaiada?? Criei um congestionamento gigantesco, todo mundo queria ter uma foto ali também.

§ Às 8:30am a visita acabou e o guia nos liberou pra ir pra fila do Wayna Picchu. Deve ter sido por causa da chuva, poucas pessoas arriscaram subir. A fila, que geralmente é gigantesca, se resumia a uns 15 gatos pingados. Nesse caso, gatos encharcados. Eu era a quinta da fila, atrás de 4 argentinos, que subiram comigo. Todo mundo na chuva, e a única menina do grupo que era baixinha (todos eram grandes – vamos dominar o mundo!) lembrou que tinha uns sacos de lixo, que poderíamos usar como capa de chuva. Ela começa a sacar os sacos da mochila, todos na expectativa, e quando vemos, eram uns sacos minúsculos! Tivemos uma crise de riso. Ela começou então a rasgar os sacos, amarra aqui, amarra lá, nossas capas de chuva estavam prontas.

§ Nós cinco fomos liberados pra subir às 8:55am. Vou contar pra vocês, não foi fácil não. A chuva piorou tudo. Muita lama, escorregávamos toda hora. As subidas eram íngremes e estreitas. O cansaço era muito grande e a minha bronquite deu o ar graça. A minha respiração era a mais pesada de todas, podia ser ouvida à distância. Todo mundo ficava preocupado e eu tinha que parar toda hora pra respirar. Eu mesma estava com medo de ter um pirepaque ali.

§ Às 9:30am parou de chover, mas a lama ainda atrapalhava bastante e as pedras continuavam escorregadias. Depois de muito tempo chegamos à primeira parte do pico, onde tirei a foto mais comentada do meu orkut (hahaha). Ali começavam as ruínas do Wayna Picchu, e aparentemente, essa segunda parte do caminho, que era bem menor, seria mais fácil. Ledo engano. Não tinha mais mato e lama, mas em compensação, tivemos que escalar umas pedras, nos meter em caverninhas (eu tenho uma “quase-claustrofobia”, e por pouco não desisti quando entramos em uma caverna e tivemos que nos arrastar para sair dela, pois era muito estreita), rolou até uma escadinha de madeira carcomida caindo aos pedaços.

§ Finalmente chegamos ao topo. Não é um espaço plano. Na verdade são várias pedras gigantes e todos têm que encontrar um lugar pra se encaixar, todo mundo se ajuda, se espreme. Depois que me alojei e vi a paisagem, percebi que tinha valido tudo a pena. A viagem tinha valido a pena. De um lado, MP pequena, um condor. Do outro lado, só mato, e mato e mato; o início da floresta Amazônica (essa parte peruana parece mais a mata Atlântica). Lá embaixo, o rio Urubamba, de um verde lindo e que contorna a montanha onde fica MP. Nessa hora a chuva já tinha parado completamente e o sol já estava aberto, iluminando a tudo e todos. Nessa hora também já estava todo mundo sem casaco, sentindo um calor do caramba, e eu super arrependida de ter ido com aquela blusa branca por baixo. Nessa hora eu ainda estava discutindo futebol com os argentinos, levando um casal de peruanos às gargalhadas.

§ Ficamos uns 30 minutos lá em cima, apreciando a paisagem. Fiquei meio encucada com a quantidade de pessoas com “idade mais avançada” que vi por lá. De onde elas surgiram?? Devem ter começado a subr às 6:00am, só pode!

§ Decidimos então descer. Essa parte foi menos cansativa, só que também, bem mais perigosa. Pra começar, a descida era feita pelo outro lado, onde havia uma pedra lisa gigante, tipo um tobogã. Essa pedra dava numa faixa de terra estreita, que dava num precipício. O esquema era esse mesmo, escorregar nessa pedra super inclinada, sem ter nenhum lugar pra encaixar o pé e a mão (já que ela era lisinha, lisinha), e com o maior cuidado, pra não passar direto da faixa de terra e cair no precipício (isso já aconteceu, e conheço uma pessoa que viu ao vivo e a cores).

§ Até então, esse foi o segundo momento mais tenso do Wayna Picchu pra mim. Bateu um desespero, todo mundo desceu, eu fiquei lá por cima e os meus olhos encheram d’água. Pensei em voltar sozinha pelo outro lado e encontrar o pessoal lá no primeiro pico, mas todo mundo começou a gritar lá de baixo que eu conseguiria, que não era tão ruim quanto parecia. Além disso, como o sol já estava forte, várias pessoas tinham começado a subir, e esse caminhozinho de volta alternativo era justamente pras pessoas não se trombarem.

§ Encarei meu medo, e comecei a deslizar pela pela. Foi um sufoco, mas bem menos pior do que parecia lá de cima. A tranqüilidade voltou e continuamos a descer. Agora era a vez de umas escadinhas que beiravam o precipício. Meti o pé no primeiro degrau e começou uma gritaria. Uma mulher tinha escorregado e caído lá na frente. Na hora, nós que estávamos lá trás e não conseguíamos ver nada, pensamos logo que ela tinha caído no precipício. Foi um desespero, meus olhos cheios d’água novamente. Todo mundo parou onde estava, não havia espaço. Depois de alguns minutos descobrimos que ela tinha escorregado, mas caiu nos degraus mesmo, graças a deus. Conseguiram puxá-la pra cima de uma terraça, pra prestar os primeiros socorros e abrir caminho. Começamos então a descer. Lembro de ter visto muito sangue nos degraus, e quando olhei pra terraça, ela estava com um corte imenso na cabeça. Demos as nossas águas pra lavarem o rosto dela, e o meu argentino lindo ficou lá, pra ajudar a carregá-la.

§ Continuamos a descer. Novamente aquela lama, aquelas pedras soltas. Todo mundo praticamente engatinhando. Eu escorreguei umas duas vezes. Pra piorar, como já tinha muita gente subindo e o caminho era estreito, várias vezes tivemos que nos agarrar às pedras pra deixar as pessoas passarem.

§ Foi tudo bem sinistro, mas valeu a pena. Pra mim, o melhor momento da viagem, sem dúvidas.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

§ Vou começar pela casa onde passei os primeiros anos da minha infância. Na verdade era um prédio em uma das ruas mais movimentadas de São Cristóvão, aquele bairro que fica bem na divisa da Zona Norte e do subúrbio, que também é Zona Norte, mas que o povo da Tijuca, de Vila Isabel e afins insiste em classificar como subúrbio só para se diferenciar e fingir que é a elite desse lado [mais caloroso] da cidade. Era um prédio pequeno; três andares e um apartamento por andar, com uma quitinete nos fundos.Eu morava no primeiro andar. Era um apartamento [que eu vou chamar de casa a partir da próxima vez, porque soa mais familiar e nostálgico] grande, com três quartos, um deles transformado em uma espécie de depósito pela minha mãe e que, em todo o tempo em que lá residi, só vi aberto umas quatro vezes. Aquele quarto era o meu objeto de desejo, era o porão ou o sótão que a gente vê nesses filmes, dos quais as crianças têm medo mas mesmo assim insistem em neles se aventurar. Eu também nutria sentimentos do tipo. Qualquer ruído ou coisa estranha pra mim provinha daquele lugar, porém o sonho de entrar ali era maior que o medo.Obviamente pelo fato de ter sido ali que eu inicialmente vivi, é de lá que tenho as primeiras recordações da minha vida: por volta dos dois anos, quando minha mãe me mandou jogar a chupeta na privada [e assim me livrar de uma vez daquele vício!] e o meu aniversário de três anos, quando compramos no supermercado Disco [que depois passou a se chamar Paes Mendonça e que hoje eu nem sei mais o que é] um bolo com glacê verde. Essas lembranças vêm até hoje à minha memória em forma de flashes. No andar de cima morava a “vovó Lourdes”, uma senhora que não tem ligação sangüínea alguma com minha família, mas que construiu comigo uma relação que deixa de lado todas essas leis da genética e se baseia no coração. Era ela quem me acalmava quando eu ainda era um bebê e tinha aquelas crises de choro. Era na casa dela que eu comia aqueles lanches e almoços da vovó e dividia com a Aline [ainda vou falar dela] um espaço naquela adorável cadeira de balanço de madeira escura. Ela também tinha uma filha, a Ana Cláudia, ou só Claudinha, uma moça com voz de desenho que tinha inúmeros casacos de pele e bolsas que eu queria usar nesse calor do Rio de Janeiro, e que ainda por cima foi minha primeira “professora de piano”. No último andar moravam o Sérgio, a Janete e a Aline, filha deles. Da Janete eu só lembro mesmo por fotos, porque ainda bem cedo ela teve um caso com o patrão, resultando no fim do casamento deles. Mas graças a Deus, a Aline ficou morando com o pai e se tornou assim, a minha primeira melhor amiga. Eu nasci e sete dias depois foi a vez dela de ver a luz desse mundo. Vivemos os nossos primeiros anos juntas e não lembro de termos tido essas briguinhas que todas as crianças têm. A gente contava até vinte e esse era o tempo que cada uma tinha pra desfrutar a cadeira de balanço da vovó Lourdes. Era um rodízio.A Aline tinha duas cachorras: a Sully, uma pequinês que [talvez até pelo fato de já estar meio velha] desprezava solenemente a nossa existência, e a Shana [não sei a raça; sou indouta nesses assuntos], que era gigantesca e diferentemente da outra, não podia nos ver que já vinha pulando em cima. Como o meu medo de cachorros vem desde a época em que o espermatozóide do meu pai se fundiu ao óvulo da minha mãe, prender a Shana era um ato pré-seqüente à minha entrada na casa deles. Mas também tenho boas recordações dessa cachorra, como em uma vez que ela se soltou e a Aline e eu tivemos que correr desesperadamente. Subimos até na mesa de jantar, o que não seria muito útil devido ao tamanho da cachorra. Mas isso deu tempo para o Sérgio prendê-la.Na casa ao lado direito do prédio morava a Marli, com a mãe, o marido e os dois filhos. Eles eram todos muitos simpáticos, e em uma das festas de um dos meninos, o bolo tinha o formato de um hambúrguer e todas as crianças fizeram uma roda pra cantar atirei o pau no gato. Pelo que lembro, essa foi a primeira das muitas vezes que eu parei pra me questionar o significado da musiquinha infantil, porque as únicas partes inteligíveis para mim eram o dona Chica e o miau. Na casa do outro lado morava uma família de cujos membros não recordo nomes. Só sei que a filha mais velha, mesmo com os seus 13 ou 14 anos, ainda chupava chupeta. O Natal e o Ano Novo todos nós passávamos juntos. Vinham outros membros de nossas famílias e amigos comemorar conosco. Era esplêndido. Aquela chusma de crianças quebrando nozes, lutando para ficar acordadas o máximo possível, correndo de um lado para o outro na garagem, e eu passando mal depois dos primeiros metros, por causa da minha bronquite.Hoje, olhando pela janela o princípio dessa noite nublada, que anuncia a chuva, eu penso, que saudade daquela época!