terça-feira, 2 de novembro de 2010

Viajando...

§ Viajar, em todos e nos mais profundos sentidos dessa palavra, mudou a minha vida. O que quero dizer é que não basta ser um turista, você tem que ser um viajante. Quando me tornei uma viajante passei a ver tudo com outros olhos, as histórias, os prédios, as paisagens, os hábitos, as comidas, as músicas, as danças. Me tornei mais tolerante e confiante (especialmente depois que passei a viajar sozinha) e me dei conta de que os "cartões postais" são apenas detalhes. O que vale mesmo são as experiências que você vive, as pessoas que você conhece. E é isso que me fez querer botar a mochila nas costas e viajar mais e mais.

§ Algumas pessoas que conheci vou levar pra vida toda. Uns como amigos muito próximos, outros como aqueles que só vou falar de vez em quando, mas que também são especiais e vão ficar pra sempre. De boa parte não peguei contato algum e provavelmente não vou vê-los nunca mais, o que não diminui a importância que tiveram na minha vida. Tem uns até que espero não ver nunca mais mesmo, porque não estamos livres de conhecer pessoas chatas, mal educadas e inconvenientes numa viagem. Só que elas também me fizeram aprender algo. E há, além disso, aquelas com as quais eu nunca troquei uma palavra; só as observei de longe, num momento tão especial, que elas nem imaginam que sempre estarão nas minhas lembranças, um ser que mora do outro lado do mundo, e que elas não têm idéia que exista.

§ Tem umas que eu conheci nos albergues, companheiras de quartos ou de café da manhã ou de bar. Tem outras que conheci em filas, sentada numa praça, nos trens, nos aviões, nos free walking tours. Tem muito brasileiro que conheci na internet, antes de partir, e encontrei por lá. Foi muita gente, e freqüentemente tenho que fazer esforço pra lembrar de (quase) todas elas.

§ Senti vontade de compartilhar (com quem quer que leia isso) a experiência de ter conhecido duas pessoas na minha última viagem. Uma é daquelas que eu provavelmente nunca mais verei, e a outra eu falo de vez em quando.

§ A Maria era uma senhora (de uns 60 anos) polonesa que encontrei num trem de Berlim a Cracóvia. Ela estava sentada ao meu lado, e eu a ajudei a colocar a mala no bagageiro. Acontece que ela na verdade sentou no lugar errado, o assento dela era o da frente e rolou uma pequena confusão entre ela e a adolescente, "dona" do lugar. A Maria então foi pra poltrona correta e depois de alguns minutos a adolescente pediu pra eu trocar de lugar com uma amiga dela. A Maria disse pra eu sentar ao lado dela, já que o assento estava vago. Ela me ofereceu um pêssego e balinhas tipo jelly belly. Eu disse que não precisava, mas ela insistiu, e eu acabei aceitando. O que foi ótimo, porque o trem partiu muito cedo e eu só consegui comprar um biscoito para comer durante a viagem, que duraria 10 horas. Detalhe: A Maria não falava inglês, só polonês e alemão. Eu estudei alemão há muuuuuuito tempo, mas é uma língua bem difícil e que eu não pratiquei. Ou seja, esqueci quase tudo. Com o pouco que eu lembrava fomos conversando, e eu consegui entender que dois dos três filhos dela moravam em Berlim, era por isso que ela vinha de lá. Ela também tinha um neto de 6 anos e uma jovem sobrinha que estava estudando engenharia em outra cidade na Alemanha.

§ Depois de umas 4 horas do início da viagem a Maria desceu em Legnica, sua cidade. Antes dela ir embora, eu lhe escrevi uma cartinha em inglês, agradecendo por tudo, pela companhia dela, pelas frutas e balas, pedindo desculpa por não ter conversado mais com ela, pois meu alemão era sofrível, e dizendo o quanto eu tinha adorado conhecê-la. Entreguei a carta e tentei falar pra ela pedir pra alguém traduzir. Deixei o meu e-mail também, pra que ela entrasse em contato, se quisesse, e a convidei para vir ao Brasil com a família. Nunca recebi nada, nem dela nem de algum parente. Não sei se alguém traduziu mesmo a minha carta, se ela a guardou ou a perdeu. Ou até jogou fora. Não me importo. Foi tão carinhosa a forma como ela cuidou de mim naquele trem, como tentou entender o que eu falava, misturando um péssimo alemão com inglês. A maneira como ela me agradeceu por eu tê-la ajudado com a bagagem, isso eu nuca esquecerei. Lembro que no final da carta escrevi que mesmo que não a visse mais, nunca me esqueceria dela. E não vou.

§ A Asa foi uma japonesa de 21 anos que conheci em Cracóvia (aliás, conheci tanta gente legal nessa cidade). Na verdade, nos conhecemos na saída do campo de concentração de Auschwitz. Não bastasse o clima pesado do local, não conseguíamos entender as placas em polonês e descobrir onde deveríamos tomar o ônibus para voltar à cidade. Foi esse sentimento mútuo, de se sentir perdido em todos os sentidos, que nos fez falar uma com a outra e nos uniu no objetivo de encontrar o ponto de ônibus. Encontramos e voltamos conversando. Saímos da estação e continuamos conversando até o centro medieval. Como estávamos viajando sozinhas, foi bom termos, a princípio, a companhia uma da outra pra tirar fotos. Mas acabou que quando percebemos, estávamos sentadas na praça principal há umas duas horas, conversando sobre nossas vidas. Era a primeira viagem que ela fazia sozinha, e apesar de estar conhecendo "lugares maravilhosos", ela se sentia perdida de vez em quando, perguntava a si mesmo o que estava fazendo ali. Eu, coincidentemente, também fiz a minha primeira viagem sozinha ao exterior com 21 anos, e comecei a contá-la todas as coisas boas que aquela viagem tinha me trazido. Dei muitos conselhos, falei das experiências e das pessoas que conheci. Ela me agradeceu, disse que a conversa tinha lhe feito um bem danado e que ela se sentia mais aliviada. Eu contei também que eu partiria pra Praga no dia seguinte à noite; meu trem saía da estação às 22:15h. Ela disse que iria lá se despedir de mim.

§ Na tarde seguinte começou a chover bastante na cidade, e como se não bastasse, roubaram o meu guarda-chuva no albergue. Fui andando até a estação sob raios e trovões, e lá cheguei encharcada. Naquela amolação toda eu até tinha esquecido da promessa que a Asa tinha me feito. O trem chegou uns 10 minutos antes e quando eu coloquei o pé no primeiro degrau pra subir escutei alguém me chamando. Quando olhei, lá estava ela, correndo e toda encharcada também. Ela realmente foi lá só pra me dar um abraço, só pra se despedir de mim. Olha, só teria sido melhor se na verdade tivesse sido o grande amor da minha vida a fazer isso!

§ Mas valeu também. Porque são exatamente essas coisas que fazem as viagens valer a pena. É conhecer pessoas como a Maria e Asa que faz valer a pena eu juntar todo o meu dinheirinho pra viajar, em vez de gastá-lo em coisas supérfluas. São essas experiências que fazem tudo valer a pena. Experiências que me fazem crescer, me tornam mais confiantes, mais tolerantes, me mostram novos caminhos, me fazem sorrir mesmo em momentos difíceis.


Estação Legnica - Polônia